Capítulo 12 – M✶M

Por.: Marcos Mauricio

 

E cá estamos novamente…

Hoje gostaria de falar de uma das pessoas que me influenciou diretamente, e musicalmente falando a mais influente, meu pai.

Meu pai era cego.

Não venho falar do pai, mas sim do cego.

Mais o menos 6,5 Milhões de pessoas são deficientes visuais sendo 582 mil totalmente cegas segundo o Censo de 2010 (IBGE)

Meu pai nasceu em 1956 na cidade de Tupí Paulista, interior do estado de São Paulo, o pouco que sei da sua infância é que teve glaucoma infantil quando ainda bebê e perdeu mais o menos 80% da visão.

Quando tinha uns 12 anos foi levado a alguns médicos que fizeram cirurgias experimentais sem sucesso que o levaram a perca total da visão.

Não teve a oportunidade de estudar.

Meus avós mudavam-se para varias cidades conforme as necessidades em busca de trabalho até finalmente se fixarem em Mauá – ABC Paulista, onde meu pai viveu por toda a vida.

Meu avô arrumou emprego em uma montadora de carros e lá tinha como companheiro de trabalho um cego chamado Carlão, que foi apresentado ao meu pai e logo virou amigo da família. Carlão comentou que conhecia uma escola para deficiente visual em São Paulo, meu avô não concordava com a ideia, era uma pessoa de pouco acesso e não acreditava que meu pai deveria estudar.

O rádio era o preferido do meu pai, ouvia diariamente, participava sempre, ligando e pedindo musicas, dando opiniões em debates, fazendo críticas com sua personalidade forte. Os radialistas já o conheciam por suas participações diárias, entre eles um chamado Lombardi, que também trabalhava nos programas do Silvio Santos.

Ouve um episódio quando meu pai ainda era adolescente, durante um programa de rádio que Lombardi apresentava meu pai foi ouvir lá no estúdio a convite dele, e meu pai comentou sobre a escola que existia e o interessava, Lombardi pegou seus dados e disse que ia ver o que conseguiria.

Uma carta chegou, nela havia um comunicado de uma escola dizendo que ele havia ganho uma bolsa na Fundação Donira Nowill Para Cegos (www.fundacaodorina.org.br), (uma fundação não governamental dedicada aos deficientes visuais) e ainda uma mensalidade de ajuda de custo e estadia em uma pensão próxima a escola. Lombardi havia junto a produção de Silvio Santos feito isso por ele.

Isso nunca foi divulgado por ambos, mas meu pai sempre foi grato pelo apoio e sempre que podia falava disso.

Lá ele aprendeu o que seria para o ano escolar um aluno que fez até a 4º série, aprendeu Braile (um sistema de escrita tátil para cegos) aprendeu a usar a bengala da forma correta e a andar sozinho, e também aprendeu a tocar violão com um professor que também era cego.

Quando terminou os estudos arrumou um emprego indicado pela escola e ficou lá por 2 anos, depois arrumou um outro em uma metalúrgica que passou 36 anos até se aposentar por tempo de trabalho, ele não quis se aposentar por invalides já que não tinha uma vida como inválido.

Conheceu minha mãe em uma excursão de amigos namoraram e se casaram. Então sim, ele quando conheceu minha mãe já era cego.

Quando eu nasci também.

Cresci sendo estimulado a observar através dos sons. Meu pai fazia propostas de observar o que estava sendo tocado, qual instrumento havia na musica, e porque naquele ritmo tinham escolhido aqueles instrumentos, e de qual forma aquilo estava sendo apresentado, se era um som pacifico, ou provocativo, se o ritmo refletia o que se dizia nas letras, se as letras estavam sendo representadas por seus acordes, se as musicas instrumentais diziam algo mesmo sem letras.

Aprendi a ouvir musica com ele, aprendi a ouvir com ele.

Aprendi que musica é muito mais que notas e ritmos, é tempo e lugar, que com uma musica se consegue transmitir um ambiente e um período da história, com a junção de timbres, arranjo e mixagem.

Tudo que crio hoje em dia vem daí, dessa vivência.

Quando eu era criança e até na adolescência a pergunta que eu mais escutava era:

Como é ter um pai cego?

E eu respondia:

Como é ter um pai que enxerga?

Eu não tenho como sintetizar de outra forma.

Por fim não vou aqui poder contar tudo que gostaria sobre ele pois renderia muitas linhas, contei o mínimo mas significativo de sua passagem e influência em mim.

Deixo para vocês uma playlist de musicas brasileiras (as gringas vou deixar para uma próxima) que gostávamos de ouvir juntos.

Proponho que escutem da mesma forma que ele me propunha, e se possível escutem de olhos fechados.

Até a próxima!

PLAYLIST

“Eu e meu Pai”